sábado, fevereiro 24, 2007

O grito do gato

Arpoador. Segunda-feira de carnaval. Praia lotada, calçadão lotado. Foliões dançando, crianças gritando e rindo, turistas tirando fotografias de tudo e o dia ainda estava lindo e ensolarado. Um cenário típico do carnaval carioca e embora eu não goste tanto assim de carnaval, tinha que assumir que aquele cenário era bastante alegre e essa alegria começava a me contagiar. Quando eu começava a achar poético até os pirralhos com suas armas de neve artificial – se alguém discordar que aquelas latinhas são armas na mão de crianças levante a mão! – quando eu ouvi um grito de gato assustadoramente agudo, olhei, olhei e não vi nada. Devo estar ficando maluca com o calor, sol na cabeça faz mesmo mal. Não espera, de novo, um gato gritando, tenho certeza! Olho de novo, mais uma vez, nada. Quando estou quase voltando a pensar na minha pseudo-maluquice vejo um individuo com um saco branco na mão e um rabo de gato saindo do saco. Paro para olhar. O individuo tem um pedaço de pau na mão e em meio a risinhos e frases grotescas coloca toda sua força no pedaço de madeira e coloca o pedaço de madeira voando em direção ao saco. Estremeço toda na hora, o gato grita de novo. Não consigo acreditar, alguém não pode estar espancando um gato no meio da rua. Várias criancinhas em volta riem, estão eufóricas, mas porque os respectivos pais não estão fazendo nada ? Não posso acreditar. Ele bate no gato de novo e aquele grito parece vir de mim. As crianças continuam rindo, não, não podem ser crianças, são pequenos demônios. E então eu percebo porque os pais não fazem nada. Dentro do saco não existe gato algum e sim uma almofada que emite um som exatamente igual ao de um gato gritando, parecida com aquelas que imitam o som de uma flatulência e provocam risadas absurdas dos demônios, ooops, crianças. Mas embora eu tenha visto que era uma almofada e não um gato de verdade aquele som não para de me doer de alguma maneira, não deixa de incomodar, de me fazer mal. Não consigo mais ouvir, estou andando mas o individuo psicopata parece me perseguir e mais uma vez o grito felino alcança meus ouvidos. Dessa vez eu não em agüento e começo a chorar. Como assim, é um gato gritando de dor, ninguém vai fazer nada ? Uma senhora percebe o meu incomodo e também nervosa e irritada com o carrasco berra que aquela é a mais escrota, nas palavras dela, das brincadeiras e expressando sua irritação de maneira bem mais ativa que o meu choro, diz que vai à procura de um policial para tirar o “ brinquedo” das mãos do cara. Eu não pude agüentar ficar e presenciar a confusão. O gato continuava a gritar, gritar, gritar de dor! Mas por mais raiva que eu tivesse do torturador de animais imaginários eu só pude chorar e me afastar. Não conseguia nem imaginar como alguém realmente achava divertido brincar de torturar um animal. TORTURAR UM ANIMAL. Nossa, isso é coisa séria, coisa séria demais! E as crianças rindo e os pais condescendentes. E a maioria das pessoas achando normal...um animal sendo torturado. Um ser que sente dor, exatamente como eu. Que tem tanto direito a vida como eu tenho. Que não é menos possuidor do mundo que qualquer humano. Então porque então essa sensação de que possuímos os animais, de que eles são coisas e de que podemos fazer qualquer coisa com eles, incluindo se divertir caçando, torturando? Por que qualquer individuo somente por pertencer à categoria homo sapiens é melhor que um gato ou boi? Quem inventou isso e por que acreditamos ? Bem, acreditamos porque foi conveniente. Tudo que é conveniente é facilmente aceito. Mas quem sou eu para apontar tantos dedos quando vitimo muitos animais na minha frigideira ...hipocrisia as vezes sai sem nem nos darmos conta. Li em algum lugar que deve-se julgar um homem pelo modo como trata os animais, já que todas as relações sociais são baseadas em necessidades mutuas, mas com os animais não, eles estão a nossa mercê e aí provamos se somos benevolentes ou egoístas. Levo meu cachorro pra passear, cuido dele, gosto de animais, procuro ser bondosa com eles, levar comida para os de rua quando posso, etc. Mas o bife no meu prato continua me encarando, me dizendo que não sou melhor que ele, que não tenho o direito e que sou mais uma pessoa egoísta...e a ultima coisa que o mundo precisa é de mais uma pessoa egoísta, eu sei disso, pára de me olhar assim bife. Sim, eu lembro do grito do gato, o que o grito do gato tem a ver com você bife ? Não, o grito do gato não. Droga, não consigo mais comer agora. O grito do gato. Ok, entendi bife. Não é porque não ouvi você gritando que você não tenha sentido dor, eu sei...ou deveria saber. É tão fácil comprar o pedaço de um animal no mercado, limpo, embrulhado e esquecer completamente que se é responsável pela morte e sofrimento dele. É tão fácil que tinha quase me esquecido, mas agora só me lembro do grito do gato.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Procura-se




Procura-se

Eu que não sei onde estou
Eu que não sei pra onde vou
Eu que não sei como chegar
Perco tanto tempo pensando nisso
E não consigo mais disfarçar
A melancolia, a angustia que dá
Olhar e nada ver
Ler e não entender
Abrir a boca e nada conseguir falar
Falar sobre o meu medo
Ou meu sonho de encontrar
Encontrar a mim, encontrar o fim
Falar sobre o pavor de olhar no espelho
E nada ver
Só perceber o vazio
E a vontade de voltar
A vontade de gritar
Dentro do meu próprio olhar
Algo me faz pensar
Sobre o pânico, a honra
E a vontade de lutar
Lutar pelo que é vivo e belo
Mas não consegue se libertar
E chora feito criança nos meus sonhos
Tentando me guiar
Espero que me guie pra uma estrela
Onde eu possa procurar, encontrar
Procurar um raio ou uma esperança
Ou talvez só algo para amar.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Educar ou não educar ?

Já se foi o tempo em que todos somente temíamos crianças e jovens de ruas, que entregues a sua própria sorte, tem que sobreviver de mendicância ou furtos. Hoje em dia somamos ao medo dos “pivetes” o medo ao jovem de classe media e ainda os moradores de condôminos luxuosos que se preocupam com os filhos dos próprios vizinhos. Isso porque roubar se tornou normal, mais que normal até, um hábito para muitos jovens. E não importa se o pai é um renomado médico ou um bêbado que não fornece nada pra família. Qualquer motivo agora é motivo para roubar, para ter dinheiro, seja para comprar comida ou um tênis novo, ainda que se tenha outros cinco pares. O menino que precisa roubar para comprar comida, sobreviver, ainda que seja totalmente repudiado pela sociedade, tem meu respeito. Afinal não-natural é morrer de fome onde sobram recursos, não-natural é não ter nada e considerar normal o outro ter. Mas como explicar o caso do jovem que tem tudo, que estudou em boas escolas, sentir necessidade de roubar para ter mais ? Como explicar o jovem que com todas as oportunidades convencionais que possui preferir vender drogas ? Ao mesmo tempo que isso me evidencia o quanto estamos ligados ao consumo e portanto não importa o que seja preciso fazer para consumir, o importante mesmo é consumir, este pensamento me remete a questão da educação.Educação nos dias de hoje é só uma palavra e não mais um conceito que simboliza todo um conjunto de regras morais e intelectuais, mas somente um pequeno número de normas relativas ao convívio social a serem seguidas. E o que me parece ser o principal motivo da degeneração da educação é a falta do educador. O papel do educador se diminuiu até chegar nesta ínfima participação que podemos perceber hoje em dia. O pai, a mãe e todas as pessoas mais velhas na família se afastam cada vez mais do papel ativo na educação. Isso porque toda a nossa cultura menospreza o papel do educador. O ocidente banalizou totalmente o papel da educação familiar e podemos ver claramente os frutos dessa banalização em todos os lugares. Foi associado ao papel da educação familiar, que tradicionalmente é exercido pela mulher, todo o pouco caso que se dá ao papel da mulher em si, logo criar e educar os filhos é visto como uma função secundária (por isso sempre foi destinado à mulher, vista como secundária no universo masculino que vivemos). Só que a mulher cada vez se destaca mais, se libera mais da antiga imagem de dona de casa e mãe, que cuida da casa, dos maridos e dos filhos, claro, com um lindo sorriso no rosto. A mulher cada vez mais quer sair de casa, trabalhar, se divorciar, tomar suas próprias decisões. Ser totalmente independente, quase um homem! Mas elas continuam se casando, tendo filhos e querem administrar isso com sua vida que nega a imagem de dona de casa/ mãe. E quem cuida dos filhos, quem educa, quem conversa ? O pai obviamente machão e perpetuador do papel social do homem não vai ficar em casa e administrar a família. Então a família simplesmente não é administrada, afinal não é função para homem e hoje em dia nem coisa para uma mulher moderna fazer. A solução então seria mudar a maneira como estruturamos a família, pensar mil vezes antes de ter filhos ? Claro que não. Enfie a criança numa escola, a escola se encarregará de educá-la, se seu filho crescer e ficar revoltado fácil de novo, psicólogos estão aí pra isso e claro, um cartão de crédito e um shopping próximo também resolvem muitos problemas. O problema mesmo é quando pegam seu filho, com o qual você gastou muito dinheiro para educar, roubando, usando drogas, isso sim é pesado. Difícil ter uma noticia dessas e não perceber que algo foi esquecido ou negligenciado na educação da “criança” e perceber que a educação que a escola pode dar é insuficiente, precária e que formação de caráter ocorre principalmente em casa, com a família. Mas claro, se ao chegar em casa as crianças e adolescentes só encontrarem a T.V fica complicado...

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Medo de voar



Eu...sempre no meio de todas as coisas.
Sempre no espaço entre todas as idéias,
No vão entre todas as portas, entre todas as respostas
Exatamente no meio.
Entre dois desejos opostos,
Entre dois amores, entre duas cores.
Todas essas coisas lutando.
E eu sempre paralisada.
Sempre petrificada, com medo até de sentir medo.
Vou pra um lado e depois volto pro outro.
Mas a verdade é que eu estou sempre exatamente no meio.
Porque não sei o que quero.
Ou porque acho que quero coisas que não sei bem o que são.
E permaneço dividida.
Divida entre dois caminhos opostos,
Entre um sorriso e um abismo.
E quando a vertigem me encontra,
Eu sou sempre a que chora...talvez por medo de secar.
Talvez por medo de me encontrar na queda...
Ou medo de conseguir voar.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Medo?


Medos

Pessoas as vezes tem medo
Pessoas que se acostumam a não fazer
e a sempre querer, sem nem perceber
Pessoas não entendem que é normal ser fraco
E muitas vezes perder
Pessoas não entendem sobre o gasto
E tem receio do que irão ver
Pessoas temem o fracasso,
Esquecendo que podem vencer
Pessoas querem um amor
Mas não tem nada pra oferecer
Pessoas querem atenção,
Mas somente receber

Essas pessoas são comuns
Tão triviais como eu e você
Essas pessoas não sentem nada
E se vêem como querem ser
Essas pessoas já mentiram tanto
Que hoje chegam a entender
Que o mundo delas é aquele mesmo...
E também o querem pra você
Essas pessoas já ganharam abraços que não deveriam esquecer
Mas essas pessoas abandonam tudo
Porque sabem como esquecer
Esquecer do que é belo e não deveria se perder
Esquecer da juventude, da infância, de viver
Esquecer que até hoje vale a pena aprender
Esquecer que tudo podem,
Que é só fechar os olhos e ver

Essas pessoas são a maioria
Mas me dão força pra não temer
Lutar por causas perdidas
Mesmo que seja mais difícil,
Sei que é melhor que nada fazer, nada querer, tudo temer
Buscar os sonhos e os horizontes
E mesmo que tenha que ir pra outro lugar
Pra bem longe, pro outro lado
Onde quer que eu precise ir
Eu vou e vou voando,
Com essas asas que gostaria que pudessem ver.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Pensando o homem em mim. Parte Um.

Como todo mundo, muitas vezes entre mil outros assuntos que me ocorrem, me pego pensando sobre a situação social do mundo, guerras, fome e outras questões que deveriam ser de interesse global. Como todo mundo minimamente sensível, sempre me choco e me entristeço com a realidade e o descaso que a sustenta, sempre me sinto indignada depois de ver efetivamente como outras pessoas vivem ou tentam viver. E pelo fato dessas verificações não serem nada tão longe da nossa realidade a ponto de serem ignoradas ou negligenciadas por tanta gente. Depois de passar um tempo pensando sobre esse tipo de problema e todos os outros que só agravam a situação ou são gerados por ela, como tráfico de armas e de drogas, desmatamento, disputas políticas em geral, etc. o que normalmente me ocorre é que infelizmente o ser humano é ruim. Passo a pensar que sim, somos egoístas, que é impossível um dia vir a existir uma sociedade harmônica, como se a maldade, o descaso e a guerra fossem inerentes ao ser humano, dados dos quais não podemos nos livrar. Como se esses acontecimentos fossem simplesmente parte do mesmo impulso que leva as pessoas mais bondosas a não desejar dividir uma barra de chocolate, só que maximizado. Mas que está lá, existe mesmo que pouco em cada um de nós, em cada momento que preferimos negar certo prazer ao próximo para intensificar o nosso, e não sentimos culpa por isso, não achamos nem errado, porque temos nossa própria satisfação como prioridade. Coisa que, aliás, aprendemos que deve ser assim porque não se encontra mais satisfação em proporcionar alegria ao próximo, então, logicamente deve-se abandonar tal atitude, para que não se padeça de tristeza. Faz sentido, faz sentido ( na verdade espero que faça pra alguém). Só que além de fazer sentido gera outras atitudes similares, virando um comportamento em cadeia. E depois a mesma pessoa que não cede o lugar na fila pra outra com maior necessidade reclama da falta de educação e gentileza alheia. E prossegue achando que seu comportamento faz sentido. E toda a poesia e beleza do mundo se perdem cada vez mais a cada instante que passa e as pessoas não se importam absolutamente, se é que notam isso. Este sentimento em comum une a maioria das pessoas, sem mesmo que se perceba, colocar seus desejos de forma ditatorial por exemplo, só nos distingue de um real ditador porque afetamos menos pessoas. Mas será que pessoas habituadas a serem assim se importariam com o fato de que seus caprichos prejudicariam um pouco mais de gente ? Acho que nem perceberiam a real diferença. Felizmente antes de cair em descrença absoluta no ser humano em pouquíssimo tempo tento lembrar que pessoas como Gandhi e Madre Tereza de Calcutá não merecem ser tidos como tal e provam que o ser humano não precisa ser assim. Pessoas como o Nelson Mandela, que não só falaram como mostraram que é possível submeter a própria vida em algumas ocasiões, porque não só se acredita como se sabe que existe uma causa que é maior que ela, que precisa de um pouco dela, e que dar essa parcela pode valer a pena. Um sacrifício desvinculado de toda conotação negativa, porque sim, representa o abandono de algo precioso em troca de algo que o mereça, mas um abandono voluntário, desejado, até estimado. Como todo mundo que ainda tem um vestígio qualquer de esperança, me comovo ainda mais com isso, a perspectiva do melhor ainda me instiga mais que a constatação do pior. Ainda. E definitivamente espero me tornar uma pessoa cada dia mais parecida com alguém como eles, porque já que se pode ir até este ponto, por que não ?