quarta-feira, maio 30, 2007

Um conto sobre Gabriel


Olá, vim para contar uma história. Uma história sobre Gabriel.
Gabriel e o Ballet.

Gabriel era um menino que no auge dos seus vinte anos parecia normal. Cursava a faculdade, tinha amigos, saia nos fins de semana para beber e se divertir, etc. Quem o conhecia poderia dizer com convicção que ele era um rapaz feliz. Mas como todos os outros rapazes ele achava que faltava algo em sua vida. Claro que se divertia e possuía praticamente tudo o que desejasse – na medida do possível – mas ainda assim faltava algo que ele não sabia bem o que era. E só quando estava em contato com a música esquecia disso.
A música era uma das coisas que mais gostava e que mais dava sentido à sua vida. Desde pequeno gostava de ouvir os discos de seu pai e ouvir seu avô falar sobre as bandas de sua época. Pra ele era como se a musica expressasse mais do que ele mesmo conseguiria através das palavras, apreciava mais que tudo as melodias, como elas possuíam uma linguagem única e em sua opinião ainda mais objetiva que as próprias frases. E por volta dos onze anos resolveu aprender a tocar guitarra. Todos os meninos começam a se descobrir nessa idade, tornam-se mais extrovertidos e contestadores da ordem. Mas com Gabriel foi um pouco diferente. Ele, que sempre foi tímido, continuou assim, passando a simplesmente ficar ainda mais absorto no mundo musical.
Cresceu e ao contrário do que todo pai espera para o filho, não resolveu seguir nenhuma profissão formal e montou uma banda de rock. Embora ter uma banda não seja tão fácil quanto trabalhar num escritório e ter horário para entrar e sair, era isso que ele queria e sabia fazer. Depois de pouco tempo gravou algumas músicas, fez alguns shows e tudo indicava que ele era bom, pois as apresentações sempre terminavam com o público animadíssimo. Em pouco tempo gravaram um clipe, deram entrevistas e uma de suas músicas foi selecionada para tocar num seriado juvenil de sucesso. Tudo estava indo perfeitamente bem e pra completar Gabriel conhecera uma garota fantástica. Que além de tudo era lindíssima.
Como se sentia numa maré de sorte ele resolveu ligar pra menina e convidá-la para sair. Conversaram bastante ao telefone e ela o convidou para assistir uma apresentação sua – ele descobriu que a menina era bailarina! – e marcaram de jantar depois. Ele se arrumou e foi ao teatro assistir ao ballet para depois saírem. A apresentação durou quase duas horas, mas ao contrário do que esperava, foi maravilhosa. Ele ficou totalmente encantado com a dança, a música clássica, o cenário, tudo. Para ele foi um encontro com a magia. E durante o jantar quis saber tudo sobre balé, a origem, o desenvolvimento, os espetáculos mais famosos, etc. E foi dormir pensando no fabuloso espetáculo que assistiu neste dia, o qual considerou inesquecível: Gisele.
Na semana seguinte Gabriel voltou ao teatro para assistir novamente à apresentação e achou ainda mais bonita. Reparou em mais detalhes e se emocionou em entender mais profundamente a história. E ficou tão atordoado pensando no balé que nem sequer procurou a garota, foi direto à recepção comprar o livro ilustrado do espetáculo e o Cd para ouvir em casa. Novamente dormiu pensando em Gisele e ouvindo as músicas tocadas na noite. Pensava na melodia e no quanto ela tentava lhe dizer alguma coisa. Algo que embora não conseguisse decifrar estava lá e não saia de sua cabeça. No dia seguinte voltou ao teatro. Comprou ingressos para todos os dias durante todo o mês em que se apresentariam no Rio e sabia que adoraria cada uma dessas vezes, ficando extremamente triste quando chegasse a última – mas ele não queria pensar nisso agora.
Os dias do final de semana iam passando e seus amigos começaram a achar estranho o fato de Gabriel não querer mais sair com eles, sempre dando uma desculpa esfarrapada diferente. Ninguém entendia o que se passava com ele, mas ele simplesmente desconversava e ia embora. Até que num mesmo sábado ele teria que tocar, pois sua banda faria um show, e havia o balé. O ingresso estava comprado e ele precisava ir. Sempre precisava, gostaria até que a companhia se apresentasse durante a semana...ele não sabia o que fazer...tocar guitarra era o que ele mais gostava e não entendia porque de repente o balé se tornara mais importante que tudo. Mas era algo contra o qual não tinha como lutar. E alegando estar doente ele foi ao balé.
Infelizmente o mês passou e Gisele saiu de cartaz, ainda demoraria algum tempo para que outro ballet fosse apresentado na cidade e ele ficou completamente desorientado. Foi a uma loja, comprou alguns dvd´s de balés famosos, mas sabia que não seria a mesma coisa. Passou dias atormentado, sentia falta do ballet, da orquestra, do teatro municipal, da magia de Gisele... E, de repente, como se fosse ensaiado, ele ouviu Adolphe Adam e parou. Achou que estivesse delirando. Mas alguns segundos se passaram e a música continuava lá. Procurou o lugar de onde vinha o som e novamente ficou paralisado. Era uma academia de dança. No momento ele não teve nenhum pensamento claro, formado com palavras certas. Mas a ligação entre ele, o balé e a academia se tornaram evidentes na mesma hora. Ficou embevecido com a idéia e ao som de Adolphe Adam não teve dúvida alguma de que era a decisão certa a ser tomada. Quando voltou a si já estava matriculado, já havia comprado a roupa e pensando em como seria a aula.
Gabriel sabia que ninguém entenderia sua repentina paixão pelo balé, sabia que teria que deixar a banda, mas era tudo tão verdadeiro que por isso ele seria capaz de enfrentar todos, seria capaz de largar toda sua vida. Ao chegar em casa olhou para sua guitarra com o carinho que se olha para velhos brinquedos da infância, que apesar das boas recordações, não nos despertam mais interesse e a guardou no armário. Sentia-se estranhamente leve e em meio a todos os seus Cd´s de rock procurou cuidadosamente um de seus novos Cd´s e rapidamente colocou pra tocar. Experimentou seu uniforme de dança e livremente dançou pelo seu quarto. Dançou tanto, com tanta felicidade e emoção que adormeceu sem perceber. Teve o sonho mais bonito de sua vida: era o bailarino principal de Gisele, e terminava com ela nos braços, dançando no palco...Acordou com a certeza de que somente isso lhe faria feliz. E tomou a decisão mais fácil de sua vida inteira: o Ballet.

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